Bobbie Goods: a atividade simples que está transformando a saúde mental dos adultos

Livros de colorir com páginas cheias de cenários fofos e animais simpáticos. A estética da linha Bobbie Goods conquistou as redes sociais — e um público que vai muito além das crianças.

No Brasil, esses livros viraram febre nos últimos meses e transformaram o simples hábito de pintar em uma válvula de escape para adultos sobrecarregados.
Segundo a editora HarperCollins, responsável pela publicação da série Bobbie Goods no país, mais de 1 milhão de exemplares originais foram vendidos em pouco mais de quatro meses.
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Mas por que tantos adultos agora se identificam com uma atividade antes vista como infantil? Para entender o fenômeno, a Catraca Livre conversou com quem segue a onda — e com quem estuda seus efeitos.
Uma pausa em meio ao caos
Lucas Medeiros de Alencar, de 30 anos, é criador do perfil @coresdolucas e um dos nomes mais populares da comunidade que se formou em torno dos livros de colorir.
Arquiteto de formação, o paulistano trocou os projetos por pincéis e canetinhas — e encontrou na pintura uma forma de se desconectar do mundo externo e criar uma conexão consigo mesmo.
“Quando estou colorindo, a cabeça desliga completamente de tudo”, conta para a Catraca Livre. “A calma que o processo traz com certeza ajuda a filtrar e acalmar as emoções. É um momento de relaxar e desconectar da rotina estressante.”

Colorir não é novidade para ele. Há dez anos, Lucas já mergulhava nos traços dos livros da artista Johanna Basford, dona do famoso “Jardim secreto: Livro de colorir e caça ao tesouro antiestresse” (2013). Mas a chegada dos Bobbie Goods mudou tudo.
“Nas minhas pinturas, crio narrativas especiais para cada página, então o sentimento é de liberdade na hora de criar cada personagem com suas cores e personalidade.”
O influenciador pinta principalmente de manhã, sempre ouvindo música. E, embora tenha começado como um hobby pessoal, hoje ele grava vídeos pintando e ensinando técnicas, como textura de água e madeira, transparência e iluminação.

“Todos os dias recebo relato de seguidores que se inspiram nas minhas páginas e que maratonam meus vídeos em família, é extremamente gratificante ver os livros de colorir aproximando as pessoas, pais e filhos tendo tempo de qualidade juntos através da arte”, comenta.
Quais são os benefícios dos Bobbie Goods para a saúde mental?
A psicóloga Tatiana Serra enxerga com bons olhos esse movimento — desde que praticado com consciência.
“Pintar pode ajudar a reduzir a atividade na amígdala, uma parte do cérebro associada ao processamento do medo e das respostas ao estresse. Isso pode resultar em uma sensação de calma e redução da ansiedade”, explica.
Além de reduzir o estresse e a ansiedade, veja outros benefícios apontados pela psicóloga:
Acessível e para todos
A especialista destaca que colorir pode ser um excelente recurso para quem busca formas acessíveis de cuidar da saúde mental. Também é uma atividade para todas as faixas etárias, oferecendo um momento de pausa em meio à correria do dia a dia.
“Essas atividades são geralmente recomendadas como parte de abordagens terapêuticas, como terapia ocupacional ou arteterapia, para ajudar a gerenciar a ansiedade e o estresse.”
- Melhora o humorPublicidade
O ato de pintar pode desativar o foco e a concentração, o que ajuda a desviar a atenção de pensamentos ansiosos ou estressantes, segundo Tatiana.
“Criar arte pode ser uma forma eficaz de expressão emocional, permitindo que as pessoas processem suas emoções de maneira não verbal. […] Em geral, integrar atividades criativas e manuais na rotina é uma estratégia útil para promover o bem-estar mental“, destaca.
- Beneficia a produção de dopamina
Ela menciona que o foco na atividade também pode aumentar a produção de dopamina, neurotransmissor ligado à sensação de prazer e recompensa.
Promove o autoconhecimento e a criatividade
Ao escolher temas e cores, uma pessoa pode revelar aspectos de seus estados emocionais e suas preferências.
Além disso, durante a atividade, muitas pessoas experimentam uma espécie de introspecção, onde o foco na pintura permite que elas processem emoções de forma segura e controlada.
“Colorir é um espaço seguro para a expressão das emoções, podendo abrir caminho para a reflexão emocional e promover uma maior consciência de si mesmo. Portanto, vai além do simples passatempo.”

- “Porta de entrada” para cuidar da saúde mental
Em geral, atividades como essas podem complementar outras práticas de cuidado mental, contribuindo para um estilo de vida mais equilibrado e tranquilo.
Para quem tem resistência à terapia, Tatiana vê na pintura uma forma de iniciar o caminho do autoconhecimento e aprender a lidar melhor com as próprias emoções.
“Embora não substitua um acompanhamento profissional, colorir pode facilitar o acesso e criar uma ponte mais suave para o cuidado emocional, ajudando as pessoas a se sentirem mais preparadas e abertas a buscar ajuda especializada.”
O papel da estética dos Bobbie Goods no bem-estar
Os desenhos criados por Abbie “Bobbie” Goveia — a artista americana por trás da marca Bobbie Goods — têm características que não passam despercebidas aos olhos da psicologia: traços delicados, temas nostálgicos e uma paleta de cores suaves.
Para Tatiana, esse estilo visual pode sim potencializar o efeito calmante. “Imagens suaves e reconfortantes tendem a criar uma atmosfera agradável e tranquila, especialmente para quem tem na sua história de vida tais referências.”

Mas ela faz uma ressalva: nem todo mundo tem a mesma relação com esse tipo de estética.
“Estudos sugerem que imagens com núcleos e formas harmoniosas, que remetem à infância ou ao aconchego, podem ativar áreas relacionadas ao bem-estar e à nostalgia, reforçando a sensação de segurança e prazer. Isso para quem tem essa referência na sua história de vida, do contrário pode ser até gatilho para ansiedade e angústia”, pontua.
Alertas da psicóloga
Embora os benefícios sejam reais, Tatiana alerta para o risco de exageros. “Existe um limite delicado entre usar como uma forma de autocuidado e usá-las como fuga.”
Ela recomenda observar o impacto da prática na rotina: se pintar está promovendo equilíbrio emocional ou se está se tornando uma forma de evitar a vida real e a resolução de conflitos.
“O ideal é que atividades como colorir sejam um complemento ao cuidado com a saúde mental, e não um substituto para enfrentar questões mais profundas.”
Outro ponto de atenção é o consumo exagerado de livros e canetinhas, além da autocobrança para pintar com perfeição. Vale lembrar que a atividade é pra ser divertida.
“Muitas vezes está relacionada ao perfeccionismo, à autoexigência e ao medo de parecer inadequado ou de não ser bom o suficiente. Esses padrões podem gerar ansiedade, bloqueios e impedir que uma pessoa aproveite o momento“, avalia a psicóloga.
Para quem se sente inseguro, se compara ou acha que não “tem dom”, o conselho da especialista é simples: “o objetivo principal é o processo, não o produto final. É importante compensar a atividade como uma experiência de autoconhecimento e autocuidado, não uma ocasião para julgamento ou avaliação de competência.”
“Todo trabalho manual exige prática e paciência, a receita é evoluir um pouco por dia e o único comparativo que você deve ter hoje é você de ontem“, opina Lucas.
Vale a pena adotar o hábito de colorir?
Ainda assim, para muitas pessoas, pintar pode representar um primeiro passo em direção ao autoconhecimento.
“É uma atividade acessível, não invasiva e fácil de incorporar na rotina, isso pode ajudar as pessoas a relaxar, explorar emoções e desenvolver uma maior conexão consigo mesmas, semelhante a um primeiro passo que cria uma sensação de segurança e controle“, reforça Tatiana.
No fim, o sucesso dos Bobbie Goods talvez diga menos sobre modismos e mais sobre a necessidade humana de relaxar.
Em um mundo acelerado, o simples gesto de escolher uma cor e preencher um espaço em branco pode ser mais do que passatempo — pode ser um respiro.
“Produzir arte em todos os aspectos traz aquela energia criativa da infância”, resume Lucas. “É um momento de liberdade.”

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